Mikaelli Andrade

Mikaelli Andrade
Cachoeira Brejão/Coribe-Ba
”A água é o sangue da terra. Insubstituível. Nada é mais suave e ,no entanto , nada a ela resiste. Aquele que conhece seus princípios pode agir corretamente, Tomando-a como chave e exemplo. Quando a água é pura, o coração do povo é forte. Quando a água é suficiente,o coração do povo é tranquilo.” Filósofo Chinês no século 4 A.C

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"As preocupações ambientais contemporâneas originaram-se da percepção da pressão sobre os recursos naturais causadas pelo crescimento populacional e pela disseminação do modelo da sociedade de consumo"

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O valor econômico das coisas da natureza e o valor jurídico do meio ambiente

Encontrar a medida de valor de mercado para o meio ambiente, suas coisas e seres é o objeto próprio da economia. Mais recentemente vem se convertendo em área de interesse do direito, assim como de diversas disciplinas implicadas com os estudos sobre o desenvolvimento sustentável. Eis porque o dilema de encontrar as medidas de valoração de  bens e serviços ambientais, seja no planejamento, na execução de medidas positivas, seja nas medidas de mitigação, compensação, reparação ou indenização dos impactos sociais e ambientais deixa de ser problema de mera solução econômica.Read More
Embora sob condicional multidisciplinar, o meio ambiente tem encontrado forte tendência de subordinação ao mercado por vertentes de revisão do Mainstream econômico que sustentam complexos métodos de valoração monetária para a natureza. É com essa tentação que há quem sugira métodos de precificação para, por exemplo, um curso hídrico, um sistema florestal e até de interações conjuntivas da biosfera.
Constanza (1997), num instigante ensaio publicado nada menos que pela respeitável revista "Nature", liderou um grupo de pesquisadores norte-americanos, brasileiros e europeus para estimar o valor econômico dos recursos naturais em 16 biomas da biosfera . Noutro lado também há quem faça cálculos sobre o dia e hora que uma cidade como São Paulo poderá parar, caso seja mantida a tendência da conversão de recursos naturais em mercadorias sobre rodas que ocupam o espaço geográfico daquela metrópole (a este respeito leia a opinião de Washington Novaes, Coluna "Opinião", Jornal o Estado de São Paulo, São Paulo,18/01/2008).
Como já anunciamos, os novos instrumentos metodológicos de valoração da natureza emergem da revisão do mainstream econômico, sugerindo que "a valoração de recursos naturais resume-se num conjunto de métodos úteis para mensurar os benefícios proporcionados pelos ativos naturais, os quais se referem aos fluxos de bens e serviços oferecidos pela natureza às atividades econômicas humanas" (Mota, 2006). Porém, outros recortes hermenêuticos mais antigos vindos do direito, da biologia e da economia, sugerem cautelas na deliberação sobre critérios da valoração econômica da natureza. Neste sentido a teoria da reparação do dano e, mais recentemente, as aplicações do direito do meio ambiente recomendam atenção aos seus pressupostos filosóficos com conseqüências substanciais para a sua transubstanciação em pecunium. Assim também elementos científicos e históricos formadores da idéia política de meio ambiente, agregam outros limitantes à redução econômica do meio ambiente. (Trepl, 2002). Propomos neste artigo o encontro de alguns aspectos destes elementos na direção de identificar uma confluência interdisciplinar mais eficiente para a abordagem das conseqüências aplicativas da valoração da natureza.
O problema sob a ótica da economia ambiental e do desenvolvimento sustentável x desenvolvimento
Aforadas as nuanças políticas do debate ambiental, nas suas origens recentes (ONU) são notáveis os pontos teóricos que balizaram a discussão sobre o binômio desenvolvimento-meio ambiente. Economistas do mainstream não o consideram como tema de significância, ou melhor, nem o consideram enquanto fato científico. Materialistas históricos tratavam de desvelar o caráter ideológico da questão, sem considerar o seu mérito. Por sua vez Neomalthusianos, nas palavras de Nobre, "afirmavam o caráter contraditório da relação entre desenvolvimento (entendido como crescimento econômico ou "crescimento no consumo material) e meio ambiente (entendido como "estoque de recursos naturais" e como capacidade de absorção do ecossistema humano") (Nobre et al, 2002).
Contribui para o entendimento do problema de fundo observar que até o final do século XX os manuais de economia tratavam os conceitos de desenvolvimento e crescimento como sinonímias. Apenas anos 90, com as diretivas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, surge o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH como um indicador menos reduzido de avaliação do desenvolvimento. Tal conceito já se revela fraco ante o amplo espectro do problema do desenvolvimento. De certo modo essa ampliação conceitual já estava enunciada por Celso Furtado apud Veiga (2005). Por ele desenvolvimento econômico seria um mito . Talvez fosse por esta razão que o autor se concentrou tanto no estudo dos países em desenvolvimento.
Para Furtado, nas palavras de Veiga, "os mitos atuam como faróis que iluminam o campo de percepção social do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada a ver de outros..." Em 1998, Amartya Sen, um Nobel da Economia, apresentou o conceito de "desenvolvimento como liberdade" , lembrando que economia e ética estavam interligadas desde Aristóteles e depois com novo enfoque pelo "imperativo categórico" em Immanuel Kant. Sustentando a base do seu conceito Sen argumenta que o século XX conseguiu estabelecer o regime democrático e participativo como modelo de organização política, donde se aprimorou os conceitos de direitos humanos, liberdade política, longevidade. Porém, novos problemas se associaram aos antigos, com o acirramento da concentração da pobreza, de fomes crônicas e coletivas, de desemprego cumulativo e de direito fundamentais não satisfeitos. Então, a industrialização, o progresso da técnica, a modernização política e social vieram a contribuir substancialmente para a expansão da liberdade humana, contudo, seu êxito ainda dependia de outros fenômenos como educação, saúde, equidade de raça e gênero, água potável e saneamento, como tantos outros direitos civis.
Hoje já se questiona sobre os limites dos recursos tecnológicos como estrito campo das liberdades humanas. Entre muitos exemplos de novos indicadores exemplifica que se considerada a presença dos contrastes intergrupais, supondo um país à parte, os negros nos Estados Unidos formariam a 11ª nação do mundo em termos de PIB . Imaginemos o que diria do caso da cidade de New Orleans. Assim, pela mesma razão, podemos dizer que desenvolvimento sustentável não coincide com o popularizado conceito de "bolo crescido para depois ser dividido", fundado no principio científico da relação entre crescimento e distribuição de renda, de Simon Kuznets, outro Prêmio Nobel de Economia, em 71, pelo reconhecimento da conhecida tese da "curva de Kuznets" ou "U" invertido.
Nas palavras de Sachs (2004) "o desenvolvimento, distinto do crescimento econômico, cumpre esse requisito, na medida em que os objetivos do desenvolvimento vão além da mera multiplicação da riqueza material", sendo condição necessária, porém não suficiente. Nesse sentido desenvolvimento diverge do crescimento baseado no fundamentalismo de mercado, na medida em que as seqüelas deste não são meras imperfeições, "falhas de mercado" ou o preço inevitável do progresso econômico. Na verdade são desvios da direção da amplitude do conceito de eficiência alocadora de Adam Smith, da eficiência inovadora de Joseph Schumpeter e da eficiência de John Keynes, no enfoque da utilização de todos os meios de produção. Ainda Sachs sugere adicionar dois outros sentidos da eficiência: a social e a "ecoeficiência", para viabilizar o "desenvolvimento includente e fundamentado no trabalho decente para todos" (2004).
É de se ver que a teoria da valoração econômica do meio ambiente tem sua genética nos pressupostos neoclássicos da economia. A econometria dos métodos de valoração econômica do meio ambiente, com alguma divergência entre autores, confluem para a mesma equação - Valor Econômico Total (VET) = valor de uso (VU) + valor de opção(VO) + valor de existência(VE). Nas palavras de Mota, valendo-se de Adam Smith, o termo valor exibe duas conotações. "Às vezes designa a utilidade de um determinado objeto e outras vezes o poder de compra que o referido objeto possui, em relação a outras mercadorias". (2006) Em Ricardo o valor de troca não se define pela medida da utilidade de um bem. Assim a água, por exemplo, sendo essencial (grau de utilidade), não encontra noutro bem qualquer escala de troca. Assim, por exemplo, o ouro não tendo o grau de utilidade da água, assume um valor de troca por uma grande quantidade de outros bens. (idem). Isto tem significante repercussão para a tendência impulsionada pelos organismos internacionais na direção da conversão em bem econômico de recursos naturais livres, de uso comum, universais e consuntivos, como é o caso das águas doces. Marshall traz o fator "prazer" como uma medida de utilidade marginal do consumo de bens. Ou seja, a medida de valor seria alcançada pela soma das satisfações que um bem/serviço possa proporcionar a uma pessoa. (ibidem)
Pouco referenciado pela literatura econômica, na década de 50 Kapp (1958), já trouxe a questão à baila ao abordar o problema das externalidades sociais e ambientais no custo de produção da empresa privada. (idem). Não por uma vez Sachs cita-o como o protagonista da "ecossocioeconomia". (Sachs, 2008, Veiga 2005 ).
Mota sugere ainda que seja a exigüidade dos bens naturais que justifica a estimação de valor econômico. Considerando que "grande parte dos ativos ambientais está sujeita à degradação, à exploração de uso pelo homem, implicado vultosos investimentos, análises da capacidade de suporte e custos de preservação, torna-se necessário buscar métodos que possibilitem avaliá-los em termos econômicos (2006).
Por outro lado, valendo se da visão da economia ecológica, Amazonas (2006) lembra que a valoração ambiental neoclássica é a expressão monetarizada de um bem ou serviço ambiental em termos de utilidade, bem estar ou das preferências individuais sobre aqueles. Como preço se define no mercado e os bens ambientais não encontram no mercado, então essa precificação se dará "baseada nas preferências individuais reveladas pelo conceito de disposição a pagar". Adiante o Professor Amazonas conclui: "os procedimentos e métodos de valoração ambiental que a teoria neoclássica vem a desenvolver, são todos baseados no princípio de resgatar as preferências individuais e os valores a estas associadas..." (in Nobre et al., 2002)
Vale dizer, como as mercadorias comuns são negociadas no mercado regulado pela relação entre oferta e demanda e que, por sua vez, os bens e serviços ambientais não dispõem desse mercado regulador de preços, então os métodos de valoração passariam a cumprir a função de correção desta "falha de mercado" através de um "mercado hipotético". Amazonas (idem) expõe a existência de valores ambientais externos ao conjunto dos valores econômicos expressos monetariamente pelo mercado, ou seja, que alguns bens "pertencem ao conjunto valorativo humano ético normativo, que transcende a valorização econômica estrita", ou "valores sociais de dada sociedade" que são expressos em "valores econômicos" e em "valores não-econômicos".
O problema sob a ótica histórica da formulação de um conceito político de meio ambiente e impacto ambiental
À guisa de iluminar a terceira fonte tributária do nosso raciocínio, trazemos alguns pressupostos científicos e históricos formadores da idéia política de "meio ambiente" e "impacto ambiental", aduzidos das reflexões de Trepl (2006), este por sua vez aludindo Foucault e Eisel.
O seguinte exemplo introduz bem o problema enfocado por Trepl: imaginemos estarmos sobre o cume de uma montanha de onde sejamos perguntados sobre o que observamos ao redor, na sua totalidade e não em detalhes. Certamente a resposta seria formulada no seguinte sentido: - vejo uma paisagem, bela, ensolarada, grandiosa, extasiante, ou triste, opressiva, etc. Sendo essa a percepção do cenário visualizado, os conceitos dela decorrentes não poderiam ser aceitos no campo da ciência natural, embora estivesse tratando precisamente da natureza. Eis que sob a ótica das ciências modernas a natureza não pode ser bela, uma vez que das leis naturais não decorrem regras da virtude, nem de valor ou sentido. Assim, por reverso dizer que uma montanha consiste em "x" milhões de toneladas de determinado minério, ou que uma árvore é "y" metros cúbicos de biomassa, ou que um lago corresponde a "z" bilhões de metros cúbicos de água conversíveis em bem econômico será cientificamente válido e positivamente jurídico. Porém, informar que uma floresta é grandiosa será afirmar propriedades que se atribuem à natureza somente como "paisagem" sem referência aos sujeitos que a vivenciam, portanto uma afirmação sem notação científica. Essa natureza paisagística e totalizadora é, como diz Trepl, uma natureza sem a ciência. Na verdade a natureza das ciências exatas e teórico-experimentais é a mesma natureza da produção industrial, onde pode emergir como expressões de força, padrão, energia, medida, matéria de dureza, elasticidade, preço, etc. Defende o autor que essa bipolaridade tem suas raízes históricas no pensamento humano.
Por volta de 1800 emergiram as figuras do pensamento do ideal de natureza crítica conservadora da cultura. A "paisagem" já não era entendida como obra de arte que o sujeito, o artista, artesão, o pintor, o paisagista constrói de modo autônomo a partir da própria mente, mas, ao contrário, como relação funcional. Num sentido materialmente científico - no sentido da ciência natural - os elementos da paisagem não estão reciprocamente ajustados em termos de uma harmonia estética. Um elemento funciona a serviço do outro e todos a serviço da totalidade - todos os elementos, inclusive os homens, devem integrar-se e subordinar-se à totalidade.
A partir da construção do novo surge a integração em algo dado, surge a adaptação a um meio ambiente ecológico. A natureza então é entendida a partir do modelo do organismo. Eis nesse ponto a mudança da imagem iluminista do mundo para uma imagem "conservadora" da natureza. No ideal conservador da natureza, da equiparação do racional ao natural decorre a idéia de que devem ser reconhecidos os limites estabelecidos aos homens pela natureza, ou como se diz modernamente, pelo "meio ambiente". Antes viver racionalmente era viver de acordo com as medidas do possível. E viver irracionalmente, pois antinaturalmente seria, então, o remodelar a natureza de acordo com os padrões do homem supostamente livre e autônomo.
Assim, diz Trepl, que "do século XVII ao final do século XVIII não existia "vida" na ciência". Não se poderia dizer de diferença categórica entre o reino vegetal e o animal. Ora, o ser é o que é visível, isto é, sua estrutura morfológica visível. O que é idêntico segundo a estrutura visível é idêntico em si. Assim, o ser de alguma coisa é exatamente o que é imutável nela e o que é imutável está fora dela. Por mais que tudo esteja muito bem ordenado e mutuamente sincronizado, a relação ainda é uma relação de exterioridade. "A instância criadora, que dá sentido a tudo e que determina o ser dos seres, situa-se fora da esfera dos seres." Já na virada do século XIX as estruturas visíveis dos seres tornaram-se meros sinais, indicadores que apontam para uma organização, para um plano arquitetônico, que cumpre determinadas funções. Nessa relação entre estrutura e função, nas relações que os órgãos mantém entre si a serviço de determinadas funções, como respiração, digestão, fotossíntese, etc., relativas ao todo do organismo. Assim, o organismo pode, portanto, "ter história". Por esse modo especial de existência os seres vivos se distinguem então das coisas mortas, e isso não por sua estrutura visível, portanto não pelo fato das suas externalidades.
Agora, a relação com o "meio ambiente" ganhou nova significação. Ela não mais deve caracterizar-se pela relação encadeada todo-parte, mas cada ser vivo, como uma espécie de centro, representa as coisas que se encontram fora dele, tem uma totalidade, seu mundo, como "corpo" e "espírito". À sua volta, não existe mais cosmos, a criação, o mundo, mas tantos quantos centros existirem, ou seja, seres vivos. A instância criadora não fica mais, como Deus, fora da totalidade do mundo, mas no sujeito e já um pouco nos inúmeros seres vivos individuais. Cada um deles cria e modifica seu meio ambiente e com isso cria e modifica a si mesmo. E ao mesmo tempo em que é criado e modificado pelo meio ambiente, cada um ao seu modo dá "sentido" às coisas ao seu redor, por si mesmo. A diferença é que se antes um ser vivo consistia em uma estrutura visível, agora a estrutura visível é apenas um indício superficial de algo invisível que constitui realmente o ser em seu todo. O ser consiste num constituir-se específico da vida no sentido ecológico descrito: um produzir-se em interação com o que está à volta.
Eis, segundo Trepl, uma síntese da mudança da concepção fisiognômica de Humbold para a concepção de Grisebach das formas produzidas pelo fator ambiental. Esses pensamentos, não tão recentes, revelam o centro do conflito que a ecologia tem enfrentado. E tais concepções estão atualizadas, de uma ou de outra forma, em termos da teoria dos sistemas. No primeiro caso as comunidades ou "ecossistemas" são sistemas auto-organizadores que tomam liberdades com o seu meio ambiente e com isso o constituem. Essa é uma idéia que basicamente predomina na "ecoideologia", agora mais conhecida como "Hipótese Gaia".
Noutra vertente, predominante na ciência da ecologia, as comunidades ou ecossistemas não são sistemas que tomam liberdades com o seu meio ambiente. Somente os organismos individuais possuem, num sentido restrito, o caráter de auto-organização e com isso o caráter de um todo que, como a "mónade" (leibniz) , possui um centro que representa as coisas que se encontram fora dela, que é "um espelho do universo", e assim constrói para si mesmo um ambiente. Dessa bifurcada concepção certamente toma impulso as diferentes respostas, por exemplo, para uma proposição que sugere sobre quais intervenções deveriam ser propostas para prevenir, compensar, indenizar, valorar os "impactos ambientais". Então, por pressuposto seria superficial uma abordagem meramente econômico-valorativa, para se expandir para outros elementos de abordagem e conversão em valor de sistemas auto-organizadores ou sistemas sem liberdade com o seu meio ambiente.
O problema sob a ótica do direito do meio ambiente - reflexões sobre a valoração a partir do direito aplicado na reparação e indenização pelos impactos ambientais.
No direito nacional mais recente o instrumental da valoração econômica de bens e serviços ambientais tem proposto uma ponte entre os artigos 170 e 225 da Constituição Federal de 1988. Ambos sugerem o acesso democrático aos recursos naturais como direito fundamental, com aplicações dos princípios do poluidor-pagador, da responsabilidade por danos que, por sua vez, têm aspectos associados ao sentido ético de desenvolvimento sustentável de Brundtland (FGV,1988).
Por sua vez os elementos da definição jurídica de dano ambiental se encontram no artigo 3º da Lei nº 6.938/1981 . Por eles se entende que dano ou degradação ambiental é a alteração adversa das características do meio ambiente, de tal maneira que prejudique a saúde, a segurança e o bem-estar da população, crie condições prejudiciais às "atividades sociais", afete desfavoravelmente a "biota", prejudique "condições estéticas" ou "sanitárias" do meio ambiente ou, por fim, lance rejeitos ou "energia" em desacordo com os "padrões ambientais estabelecidos".
Leite (2003) sugere que a compreensão do que seja dano ambiental deve ser feita numa perspectiva sistêmica, quando meio ambiente não se restringe aos elementos corpóreos e materiais que o compõem - como ar, água, flora, fauna, inorgânicos, etc., mas configura-se como uma teia, onde se processam interferências recíprocas que denotam uma relação de interdependência entre seus componentes. Ou seja, trata-se de uma "entidade dinâmica", cujo complexo de interações proporciona e mantém "a vida", em todas as suas formas. Daí decorre a caracterização do meio ambiente como "macrobem"; bem unitário, indivisível e de natureza "imaterial", e não se confunde com os "microbens" ambientais, estes corpóreos e partes daquele. Parece ser este o sentido da definição encontrada no termo constitucional e nas regras infraconstitucionais. Por conseguinte, sob este ponto de vista o meio ambiente é considerado e protegido não somente em função do valor econômico dos elementos materiais que o compõem, mas, especialmente, em razão dos valores intrínsecos por ele abrigados, todos relacionados ao bem-estar e à "qualidade de vida". Desta primeira constatação já é possível concluir que a degradação da qualidade ambiental promove além da lesão aos bens ambientais corpóreos, a violação de "interesse difuso" de natureza não patrimonial. Sob o ponto de vista jurídico se evidencia, a título de exemplo, que poluição não se restringe aos aspectos estritamente ecológicos da alteração adversa das características ambientais, mas engloba também seus aspectos extrapatrimoniais, relacionados à manutenção do bem-estar e da qualidade de vida. (Derani, 1977)
Da mesma forma podem os danos ambientais desdobrar-se em perdas de natureza pessoal e particular. Assim: "o dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem" (Leite, 2003).
Dessa idéia (de um determinado dano ambiental afetar não apenas a dimensão material do ambiente) decorre que a definição do quantum é suscetível de avaliação através de perícias, levantamentos econométricos e medições, mas também por juízo sobre os aspectos abstratos e insuscetíveis de apropriação econômica, como o valor de existência dos bens ambientais, o bem-estar e a qualidade de vida usufruídos pela pessoa individual e pela comunidade, ou ainda os "sentimentos coletivos" nutridos por bens integrantes do patrimônio histórico-cultural, étnico, social, tendo-se nessa conjunção a dimensão extrapatrimonial a ser ressarcida .
Propondo a reparação não pecuniária dos danos extrapatrimoniais, Schreiber (2007) assinala que "as infindáveis dificuldades em torno da quantificação da indenização por dano moral revelaram a inevitável insuficiência do valor monetário como meio de pacificação dos conflitos decorrentes de lesões a interesses extrapatrimoniais, e fizeram a doutrina e a jurisprudência de toda parte despertarem para a necessidade de desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação. Tais meios não necessariamente vêm substituir ou eliminar a compensação em dinheiro, mas se associam a ela no sentido de efetivamente aplacar o prejuízo moral e atenuar a importância pecuniária no contexto da reparação".
Sendim (1998) aponta que a doutrina ao indicar a possibilidade dos indivíduos atribuírem um valor de existência a um bem ambiental pode fundamentar-se "em considerações de várias ordens como, por exemplo, à possibilidade de conservação de bens para a utilização por outros, mesmo que o avaliador não tenha essa possibilidade e a conservação dos bens seja para as gerações futuras. O conceito de "valor de existência" como um dos métodos aplicados pela economia ambiental decorre da irreversibilidade do dano ambiental, no sentido de que a Natureza, ou bens dotados de valor histórico, étnico e cultural, jamais se repetem. Há a percepção sensorial, no sentido de que houve a regeneração natural ou a depuração da poluição - quando isso for possível - mas, na realidade, os elementos naturais são únicos, possuem um valor intrínseco, irreversíveis e irrecuperáveis. Assim, a extinção de uma área florestada, de um manancial hídrico, de um animal é um fato com conteúdo ético e moral, e não é indenizável pelo pagamento em pecúnia do possível valor de mercado daqueles bens/serviços.
Vale dizer que o reconhecimento do valor de existência foi incorporado à legislação brasileira através do Decreto 4339/2002, que versa sobre a Política Nacional da Biodiversidade. Em seu Anexo, dentre os princípios da referida política, consta: "XIV - valor de uso da biodiversidade é determinado pelos valores culturais e inclui valor de uso direto e indireto, de opção de uso futuro e, ainda, valor intrínseco, incluindo os valores ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético".
Conclusão
Vimos "valor" como uma dualidade que encontra amplitude na visão multifocal e interdisciplinar. Assim valorar in pecunium é eficiente na materialidade da natureza, como solução ad hoc para a reparação, porém precário para transubstanciar valor do que não encontra mercadoria que lhe possa substituir, por que excede a materialidade da unidade para repercutir sobre a totalidade sugerida por Trepl. Afinal, pode se pagar pela totalidade?
Na economia ou no direito, valoração assume limitude e a solução na esfera do meio ambiente ultrapassa um olhar técnico, dogmático e mono-disciplinar, havendo a necessidade de se adotar noções oriundas de outras áreas do saber, buscando-se atentar para a crise ambiental através de uma visão inter e transdisciplinar, como sugere os conceitos jurídicos de dano moral e extrapatrimonialidade e, como também, o conceito de valoração econômica integrada.
O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo das técnicas de contabilidade, de avaliação, de planejamento, de gestão, de orçamentação, de participação social, de construção de indicadores de resultados, de auditoria, de interpretação forense, das modalidades e das utilizações do sentido de crescimento, numa ascendência para a "abordagem do ecodesenvolvimento" e o renomeado "desenvolvimento sustentável" (Sachs, 2004).
A introdução do capital natural na análise econômica cumpre função aplicativa importante já que os custos da degradação ambiental e do consumo de recursos naturais não têm sido adicionados aos processos produtivos (em projetos públicos, quase sempre restritos ao escopo conceitual e pouco concretos em termos orçamentários), avaliando-se os fluxos de estoques naturais e contribuindo para a definição de uma escala sustentável da produção. No cotidiano dos gestores e tomadores de decisão, assume importância de concretude na medida em que é preciso encontrar medida de materialidade de planejamento com repercussão orçamentária capaz de refletir dotes interdisciplinares.
Enfim, no momento em que o sistema econômico criado pelo ser humano não é mais compatível com o sistema ecológico que a natureza oferece, existe a necessidade de uma nova adaptação das relações entre o Homem e a Natureza. Surge dessa maneira a proposta da avaliação econômica do meio ambiente, que, deva ser dito, não tem como objetivo dar um "preço" a certo tipo de meio ambiente e sim e, tão somente, de demonstrar o valor econômico que ele pode oferecer e o prejuízo irrecuperável que pode haver caso seja destruído. Esse é o eixo principal de importância da valoração econômica ambiental. Se as abordagens de valoração econômica são construídas sobre base utilitária, antropocêntrica, os recursos naturais adquirem valor na medida em que as pessoas os desejam; antropocêntricos, pois são as pessoas que estão designando os valores.
Como vimos, óticas tão lúcidas recusam a atribuir valor econômico à biodiversidade, bem como, de submeter tudo às leis do mercado, entendendo que é de se perceber que há coisas que o capital não pode comprar ou recuperar. Neste sentido converge o valor intrínseco de bem ambiental. Nessa direção avança a aplicação dos conceitos jurídicos de dano ambiental, moral, extrapatrimonial. É o ponto de chegada da valoração integrada que a economia ambiental sugere. Não por outra razão já se julga que basta a "equivalência razoável", não é necessária exatidão (Supremo Tribunal Federal, Rep. Inconstit. Nº 1.077/84, Rel. Ministro Moreira Alves). Possivelmente, pelo mesmo sentido, (ainda que possa sugerir sentido contrário) que o Ministro Nelson Jobim, na Petição 1347-4, São Paulo, tenha suspendido a exigibilidade de precatório em questão de indenização a particular que teve propriedade transformada em estação ecológica face ao valor desproporcional ao valor do mercado. Tratava-se de 600 ha "nas escondes, carpas da Serra do Mar", avaliadas em dez milhões de dólares pela especulação imobiliária de territórios litorâneos ocupados por comunidades tradicionais.
O desafio aqui é, como em Trepl (2002), tornar claro que existem "seres" e "comunidades" cujo modo específico de existência com relação aos outros, assim como "corpo" de um lado e "espírito" de outro consiste em que eles , numa troca contínua com o meio ambiente, criam e modificam a si, por sua vez, as comunidades desses seres em conjunto se relacionam dessa forma com o seu meio ambiente, tornando certos impactos ambientais realmente irreparáveis e impagáveis. E por fim, sugerimos que a solução da reparação do dano no direito aplicado serve-se bem dos métodos de valoração, no entanto, em certo ponto segue caminho diverso, como numa bifurcação com a economia e outras ciências. Essa bifurcação se faz precisamente na complexidade e interdisciplinaridade que a "extrapatrimonialidade" e o "dano moral" sugerem, e que os métodos de valoração econômica por si não podem alcançar.


Autor: Villi Fritz Seilert
Fonte: CENED

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